Faz um ano o curso de Administração do Centro Universitário Estácio de Sá de Santa Catarina mudou seu formato de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de modelo longo (cerca de 90 páginas) para artigo científico, com recomendadas 15 páginas. A mudança se deu por algumas razões percebidas pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso , como elevado índice de trabalhos com "citações apócrifas", a observada dificuldade por parte dos alunos em compor um longo trabalho sem ter comparavelmente longa bagagem de leitura, o tempo reduzido que as demais atividades acadêmicas liberam para a atividade de pesquisa, porque um trabalho menor pode ser mais direto, sem tantos rodeios, com mais conteúdo em menos espaço e por permitir aos professores avaliar mais trabalhos com maior atenção no mesmo tempo.
A orientação dos trabalhos, a cargo dos professores Marcus Rocha e eu, trouxe algo das boas práticas anteriores e introduziu algumas outras. Entre as práticas que mantivemos e aprimoramos veio a recomendação de que os alunos leiam por volta de 30 artigos na área e tema do trabalho que se pretende fazer e que citem, na fundamentação bibliográfica, no mínimo 10 desses artigos. Frequentemente alunos nos perguntam o porquê dessa exigência. Este texto é uma tentativa de explica-la.
1 - A escrita científica é um gênero literário à parte, como afirma o prof. Dr. Valtencir Zucolotto, que geralmente não é amplamente lido antes que se comece o processo de pesquisa. Se você não lê, não sabe reproduzir, pensar naquele "formato". Logo, a leitura desses artigos promove a internalização de padrões de escrita, linguagem e "macetes" que seriam muito difíceis de ensinar de outra forma. Também facilita o processo de ensino-aprendizagem nas aulas de orientação coletiva, pois várias perguntas básicas que os alunos fariam, têm suas respostas trazidas pelo simples ato da leitura extensiva e exploratória;
2 - O caminho das pedras já foi trilhado por outros pesquisadores, principalmente nos trabalhos de graduação. "Como fazer uma pesquisa de clima? Como faço para medir a satisfação dos clientes? Qual o método motivacional mais apropriado para a minha empresa? Como analisar a liquidez de uma organização?" - Todas essas perguntas de pesquisa, válidas para fins de trabalho de conclusão de curso de graduação, já foram postadas e respondidas a contento por outros estudantes. Embora o tema seja novidade para aquele aluno, naquele momento, sem dúvida não é novidade para a literatura científica. Mesmo que naquela organização específica, naquele espaço geográfico e temporal não exista um trabalho feito, a simples leitura de trabalhos na mesma área e com perguntas de pesquisa similares pode "trazer uma luz" aos alunos que não "estejam se encontrando" e remover grande parte da angústia de fazer um trabalho em curto espaço de tempo. O plágio, ou seja, a cópia de trechos de trabalhos feitos sem a correta citação entre aspas, é amplamente combatida, inclusive com a expulsão do curso por parte de alunos infratores, e a ética na citação correta de métodos, fontes e dados é promovida e tem dado resultados visíveis nos trabalhos apresentados.
3 - Os bons artigos científicos trazem o que de mais novo há na sua área da ciência. Praticamente todos os pesquisadores se dedicam também à prática letiva. Lecionar envolve tempo, dedicação e concentração em determinadas áreas do conhecimento, o que torna mais escasso o tempo dedicado à pesquisa de vanguarda. Logo, é muito comum que aqueles autores que publicam livros os componham de uma coletânea de seus trabalhos em menor formato, artigos, materiais didáticos, que desenvolveram nos anos anteriores. Ou seja, o livro publicado raramente representa o que de mais moderno há na obra daquele pesquisador, mas sim, um apanhado de 5 ou mais anos de seus trabalhos anteriores. Ler artigos recém publicados, portanto, promove a inclusão de conceitos e pesquisas mais avançadas do que as obras clássicas ou modernas encontradas nas bibliotecas. Se o aluno está escrevendo em uma área de avanço rápido e dinâmico, como por exemplo, marketing de relacionamento utilizando mídias sociais, o que foi escrito quatro anos atrás já está muito defasado em relação ao estado da arte do tema.
4 - Artigos introduzem novos autores aos alunos. Frequentemente os alunos me perguntam: "-Professor, qual é um bom autor na minha área?". Como não tenho como ler tudo em todas as áreas, a melhor resposta que posso dar é: "- Pesquise artigos na sua área e vá às referências bibliográficas deles. Se você encontrar 10 artigos bons, 7 ou 8 deles citarão alguns dos mesmos autores como fontes. Essas fontes devem ser as mais relevantes naquela área de atuação". Funciona. Fazemos dessa forma porque há uma interessante distorção na bibliografia dos cursos de Administração. Como as ementas das disciplinas precisam trazer três obras básicas, dão-se preferência para aqueles livros que sejam mais abrangentes, com um caráter mais de "livro didático", "apostila", de caráter mais generalista, em detrimento daquelas obras que tratam dos assuntos específicos com maior profundidade. Isso gera uma dicotomia difícil de ser retratada: por um lado, quase todas as matérias do curso trazem autores como Idalberto Chiavenato, entre suas obras na bibliografia básica. Por outro lado, este é um autor que, dada a abrangência de sua obra e seu foco na disseminação do conhecimento de maneira facilitada, não obstante sua relevante contribuição para o ensino da Administração no Brasil, não é bem-visto como fonte de pesquisa pela maioria dos membros de bancas de avaliação de TCC. Como apresentar novos autores, autores "cult" aos alunos? Mediante a leitura de artigos científicos publicados.
5 - A reintrodução da ambiguidade no processo de ensino-aprendizagem. Uma verdade inconveniente da atividade letiva é que somos forçados, como professores de graduação, a simplificar o conteúdo apresentado aos alunos. Se tentamos seguir uma linha mais intelectualizada de ensino, por meio de aulas-seminários, leitura e preparação de textos, na etapa da graduação, introduzindo diferentes autores, teorias e pontos de vista sobre um assunto, frequentemente nos deparamos com a pergunta, por parte dos alunos: "-Tá, professor, mas qual é a resposta certa? Qual é a teoria que cai na prova? Qual é o jeito certo de fazer?". o foco na preparação para o mercado de trabalho e em avaliações pontuais leva à adoção de autores de apostilas, como citado no item 4, e à simplificação dos conteúdos. A leitura de artigos científicos para a preparação do TCC é uma oportunidade excelente de mostrar para cada aluno, que está dedicando sua atenção para apenas um tema específico naquele instante, que existem mais autores, mais opiniões, contraditórios, e teorias divergentes, embora igualmente válidas. Tal prática, com certeza, enriquece a perspectiva do acadêmico e pode contribuir para dar um "upgrade" na qualidade de sua formação no último semestre letivo.
Onde começar a procurar? A busca por artigos pode começar na internet, já que é a ferramenta amplamente disponível nos onipresentes dispositivos de acesso nas mãos dos alunos. Pesquisamos, inclusive, nas salas de aula, para demonstrar como é possível encontrar bons materiais. Indico como primeira fonte o Google Acadêmico, a SCIELO e o Qualis Capes, onde os alunos podem pesquisar periódicos e artigos, refinando suas buscas à partir de palavras-chave retiradas de seu tema e problema de pesquisa. A partir dos resultados, podem buscar livros na biblioteca física ou virtual, na Amazon ou em qualquer livraria física.
Ler mais nos melhora. Chegamos à leitura por paixão ou obrigação. indiferentemente de como chegamos a ela, o resultado final, que é o acadêmico com uma perspectiva ampliada sobre sua área de conhecimento e talvez desperto para a possibilidade da carreira como docente-pesquisador, enriquece a todos os envolvidos. Fica o convite aos alunos que leram este post para ir além das ementas básicas de seus cursos e enriquecerem seus universos interiores com a riqueza de conhecimento hoje disponível a todos. Boa leitura.
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